Crônica para Greg Noll

Crônica para Greg Noll

Greg “Da Bull” Noll morreu dormindo no dia 28 de junho de 2021. Foi um dos mais importantes e influentes surfistas de todos os tempos, seu nome e feitos estarão eternamente registrados na história do surf moderno.

Greg nasceu em 11 de fevereiro de 1937 e foi batizado como Greg Lawhead. Mas depois que sua mãe Grace se casou com Ash Noll, Greg adotou o sobrenome de seu padrasto. O apelido “Da Bull” (O Touro) foi dado pelos seus amigos havaianos, graças ao seu tamanho avantajado, a sua força física e a intensidade de sua personalidade.

Inicialmente os Noll moravam em San Diego, mas no começo da década de 50 se mudaram para “South Bay”, perto do píer de Manhattan Beach, onde o jovem Greg começou a pescar e trabalhar vendendo iscas. Foi no píer, observando e convivendo com os pescadores locais, que nasceu seu amor pelo mar. E foi lá também que Greg viu os primeiros surfistas deslizando com pranchas de surf bastante rudimentares, conhecidas como “kook-box”, que pesavam cerca de 50 quilos. Não era por acaso que naquele tempo o surf era um esporte estritamente masculino.

Nesta época (anos 50) o lendário Dale Velzy fabricava pranchas de madeira de balsa – as “Chips Malibu” – embaixo do Píer de Manhattan. As “Chip Malibu’s” eram menores e mais leves que as “Kook Box” e transformaram o surf num esporte mais acessível para as mulheres e as crianças.

DE LEGEND PARA LEGEND: DALE VELZY FOI UM PAI PARA GREG NOLL

Em 1950 Greg havia se aproximado de Velzy, que em pouco tempo se tornou um segundo pai para ele. Segundo Velzy : “Ele passava quase o dia inteiro ao meu lado”. Com o aumento das encomendas, Velzy foi praticamente obrigado a abrir, na esquina do Manhattan Beach Boulevard e da Ocean Drive, a primeira fábrica e loja de surf do mundo, onde algumas matérias-primas entravam de um lado e pranchas de surf saíam do outro. Era o paraíso para jovens como Greg Noll, Rick Stoner e Bing Copeland.

Foi na fábrica-loja de Velzy que Greg aprendeu os segredos básicos para trabalhar com a madeira balsa, a fibra de vidro e a resina.

Segundo Greg Noll: “A balsa estava entrando na moda naquela época. Mas era caro. Por isso, muitos surfistas traziam suas pranchas para que Velzy as transformasse em “Chips Malibu”.

Segundo Velzy: “Greg sempre foi muito habilidoso com suas mãos”. E em pouco tempo sua fama como fabricante de pranchas se espalhou por toda a “South bay”.

Além de surfar e fabricar pranchas de surf, Greg era um ótimo remador e se tornou um salva-vidas do município de Los Angeles. Entre outras coisas, o treinamento de salva-vidas o deixou em ótima forma física e lhe deu muita experiência no oceano.

A DECISÃO DE GREG NOLL IR MORAR NO HAVAÍ E O ENCONTRO COM MAKAHA

Na segunda metade dos anos 50, Greg era um jovem forte e talentoso, que usava pranchas de balsa, menores, mais leves e bem mais manobráveis ​​que a maioria da época. Não foi por acaso que em pouco tempo ele se tornou um dos melhores surfistas de South Bay. E por isso era respeitado nas grandes ondas de Lunada Bay e nas longas e perfeitas direitas de Malibu, onde estavam os melhores surfistas da época.

Em 1954, alguns de seus amigos mais velhos começaram a migrar para o Havaí. Greg tinha cerca de 17 anos quando percebeu que também estava à altura do desafio. Afinal, as grandes e poderosas ondas havaianas já eram conhecidas entre os surfistas californianos graças aos filmes de surf produzidos pelo lendário Bud Browne.

Greg decidiu se mudar para o Havaí, mais precisamente para o lado oeste da ilha de Oahu, onde ficava Makaha, considerada como uma das melhores, maiores e mais poderosas ondas do mundo naquela época.

Mas não foi fácil para Greg ser aceito pelos locais havaianos. E muitas vezes o preço do respeito foi uma surra. “Achei que era um preço barato para poder ouvir música e beber cerveja junto com os locais.”

Em 1956 Greg Noll foi convidado a fazer parte da equipe de salva-vidas dos EUA, que viajou para Austrália para competir em eventos de remo e salva-vidas de surf, que foram realizados simultaneamente com os Jogos Olímpicos de 1956, em Melbourne. Além de Greg, Mike Bright, Tommy Zahn, Bob Burnside e Bob Moore completavam a equipe americana.

Noll e os demais salva vidas, remadores e surfistas americanos levaram suas pranchas para a Terra dos Cangurus e o resto virou história. O surf havia sido introduzido na Austrália em 1914, quando Duke Kahanamoku fez uma exibição na praia de Freshwater, em Sydney. Mas em 1956, Noll e seus parceiros californianos que formavam a equipe americana tinham pranchas bem mais leves que aquela que o Duke havia deixado na Austrália.

Greg Noll e seu time surfaram de um jeito que os australianos jamais haviam visto. Na ocasião uma enorme multidão se reuniu para assistir a exibição de surf dos californianos. A imprensa estava presente e Noll e companhia saíram na primeira página do principal jornal de Sydney. Os australianos ficaram maravilhados com o estilo e os equipamentos de surf dos americanos. E o mais importante, compraram as suas pranchas.

Daquele dia em diante o surf australiano nunca mais foi o mesmo.

A EXPLOSÃO DO SURF EM MALIBU E A QUEBRA DE TABUS NO HAVAÍ

O resultado foi um boom no surfe de “Malibu” e a eventual ascensão da Austrália como uma superpotência global do surf. Até hoje Greg e seus amigos são extremamente respeitados na Austrália por terem introduzido o surf e as pranchas modernas entre os australianos.

Curiosamente até hoje os australianos chamam os “longboards” de “Mals”, por conta das “Chips Malibu’s” que Greg Noll e seus amigos levaram para a Austrália.

Quando Greg voltou da Austrália sua carreira como surfista e fabricante de pranchas estava prestes a decolar. Depois de se casar com sua namorada dos tempos de colégio, ele trabalhou como salva-vidas e fez muitas pranchas de surf.

Greg Noll passava os meses de inverno no Havaí, onde quebrou alguns tabus numa arena frequentada por uma tropa de elite, formada por surfistas locais como Buffalo Keaulana, George Downing, Henry Preece e José Angel. E pelos californianos Buzzy Trent e Pat Curren. Uma geração de surfistas que desbravou as grandes ondas da Costa norte da ilha de Oahu. Ninguém sabe ao certo quem foi o primeiro a surfar na baía de Waimea, mas está bem claro quem deu início à festa.

Waimea era kapu (proibido) para os surfistas desde 22 de dezembro de 1943, quando dois jovens surfistas – Woody Brown e Dick Cross – foram pegos desprevenidos pela rápida subida do mar, enquanto surfavam em Sunset Beach. Ambos remaram até a baía de Waimea onde acreditavam que seriam capazes de chegar até a praia. Woody sobreviveu, mas Dick acabou morrendo afogado. Daquele dia em diante a baía de Waimea passou a ser considerada um lugar proibido para o surfe.

Mas em 7 de novembro de 1957 Greg Noll e um grupo de surfistas, entre eles Pat Curren, Harry Schurch, Del Cannon, Mickey Muñoz, Mike Stange e Bob Bermell resolveu encarar as grandes e poderosas ondas da baía de Waimea.

Segundo Mike Stange: “Ninguém teria pensado em surfar em Waimea naquele dia se não fosse por Greg”.  De acordo com Peter Cole. “Quando era jovem, Greg era um bom surfista de ondas pequenas, mas conforme foi ficando mais velho e mais experiente, Noll se concentrou nas ondas grandes. Seu objetivo era pegar a maior onda do dia. Principalmente em Waimea.”

O DRAMA HOLLYWOODIANO RIDE THE WILD SURF

Em 1963, Greg Noll participou do filme “Ride the Wild Surf” como dublê de um dos principais personagens, o campeão de surf Skimo, interpretado pelo ator James Mitchum. O filme foi rodado no Havaí, majoritariamente na costa norte de Oahu, e a história gira em torno de um grupo de surfistas dispostos a surfar as maiores ondas do mundo.

Ao contrário da maioria dos “beach movies” da época, “Ride the Wild surf” e um drama e não uma comédia. As filmagens dos surfistas e das ondas foram muito bem produzidas e o filme é considerado o melhor do gênero produzido por Hollywood nos anos 60. No Brasil “Ride the Wild Surf” ficou conhecido como “Mar Raivoso” e foi exibido dezenas de vezes na TV brasileira ao longo da primeira metade dos anos 70.

Em dezembro de 1964, Greg extrapolou todos os limites da época quando surfou uma das maiores ondas de todos os tempos na terceira bancada de Pipeline. Uma foto feita nesse dia histórico mostra Noll olhando Pipeline com sua prancha.

BIG RIDER, SHAPER, CINEASTA, EDITOR DE REVISTA E SÓCIO DE MIKI DORA

Em 1965 Greg Noll inaugurou sua fábrica em Hermosa Beach, na Califórnia. As pranchas de surf haviam evoluído da madeira balsa para uma nova tecnologia: espuma de poliuretano e fibra de vidro. South Bay era o centro do universo das pranchas de surf. A fábrica de Noll ocupava um quarteirão inteiro e representava a força e o tamanho da nascente indústria de surf.

Neste mesmo ano, Greg formou uma aliança comercial com Miki Dora, seu amigo de infância que havia se tornado uma lenda em Malibu, para fabricar e vender o modelo de pranchas “Da Cat”, o apelido pelo qual Miki era conhecido. A sociedade entre “Da Bull” e “Da Cat” foi um sucesso de vendas. Segundo Greg: “Eu estava fazendo até 175 pranchas por semana. Tinha dezenas de funcionários, anunciantes, negociantes… Estava ocupado 7 dias por semana.”

Mas Greg não estava satisfeito com sua fama e sucesso como surfista e fabricante de pranchas. Inspirado por Bud Browne, Greg comprou um equipamento de filmagem de 16 milímetros e passou a registrar o surfe dentro e fora d’água na Austrália, no Havaí e no México.

Nos anos seguintes Greg se firmou como um dos principais produtores de filme de surf da época, que ele projetava em clubes e pequenos auditórios ao longo da costa californiana e também nas ilhas havaianas. E não satisfeito, Greg Noll chegou a criar uma revista de surf, publicada na mesma época que a primeira edição da SURFER, de John Severson.

OS CALÇÕES LISTRADOS EM PRETO E BRANCO E A MAIOR ONDA DE TODOS OS TEMPOS 

Por volta da segunda metade dos anos 60, o surf explodiu e os calções listrados em preto e branco que Greg Noll costumava usar haviam se tornado um ícone cultural, principalmente entre os surfistas de ondas grandes.

No inverno de 1969 Greg estava de volta ao Havaí. No dia 4 de dezembro, um swell épico atingiu o North Shore. O surf estava gigante. Casas haviam sido jogadas na estrada e Greg estava olhando o tamanho das séries na Baía de Waimea, onde ondas gigantescas quebravam sem ninguém na água.

Depois de concluir que era impossível varar a arrebentação em Waimea, Greg resolveu checar as condições em Makaha, onde iria surfar a última grande onda da sua carreira. Naquele dia Greg pegou a maior onda de todos os tempos – pelo menos até aquela época – e escreveu seu nome para sempre na história do surf.

Segundo ele : “Eu estava fora de mim e naquele momento a minha vida deu uma guinada. Logo depois meu pai faleceu, eu achei que a falha de San Andreas fosse quebrar e Los Angeles iria ser destruída.” Nos dois anos seguintes, Greg Noll vendeu seus negócios e se mudou para o norte da California.” Eu e a Laura dirigimos até o Alasca em busca de um lugar para nos estabelecermos. E chegamos em Crescent City, um dos melhores lugares de pesca da truta prateada.”

Greg entrou na pesca comercial na década de 1970; conseguiu um bom barco e se deu bem. Ele pescou muitos peixes, mas nunca foi muito além disso. Laura e Greg tiveram dos filhos: Ashlyne e Jed e viveram felizes para sempre.

A BIOGRAFIA “DA BULL: LIFE OVER THE EDGE” – E UMA VIDA TRANQUILA

Foi através de Jeff Wetmore que Greg entrou em contato com Andrea Gabbard, que acabou escrevendo sua biografia: “Da Bull: Life Over the Edge”. Além de ter apresentado Greg para sua biógrafa, Jeff Wetmore foi quem incentivou Noll a fabricar réplicas das antigas “Olo Boards” havaianas, feitas a partir de troncos de sequoias. “Eu fiz uma e ele a pendurou na parede. Depois disso as encomendas não pararam de chegar.”

Nos anos seguintes Greg trabalhou com Jed, seu filho, fazendo cerca de uma dúzia de pranchas de surf por ano. Inspiraras nas pranchas dos antigos havaianos, elas eram esculpidas a partir de troncos de sequoia, koa havaiana, cedro de Port Orford ou alguma outra madeira especial.

A maioria das pranchas foram compradas por colecionadores – que pagaram alguns milhares de dólares para ter uma prancha do “Da Bull” pendurada nas paredes de suas salas.

Greg Noll é parte indelével da história do surf.

Surfista corajoso e dono de uma personalidade carismática, sua passagem foi celebrada por surfistas e fãs nos 4 cantos do mundo. RIP “Da Bull”.

ASSISTA O FILME “RIDE THE WILD SURF”; PARTE DA HISTÓRIA DE GREG NOLL

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