No dia 15 de março, um inesperado swell de ondas de 20 pés em Pe’ahi (Jaws), fez a alegria dos windsurfistas que estavam em Maui, no Hawaii. Uma sessão de surf histórica.
“Você está me pedindo para descrever os melhores windsurfistas do mundo? Tudo o que posso dizer é que eles são pessoas únicas. É uma honra e um prazer fotografá-los, pois sem eles minhas fotos não seriam tão especiais. O big windsurf e Jaws formam uma equação perfeita.” – Batel Shimi, fotógrafa e mergulhadora natural de Israel, que se mudou para Maui em 2000, para ficar mais perto de sua grande paixão: o oceano.
fotos Batel Shimi
relatos Fernanda Bueno Garcia*
adaptação Alexandra Iarussi
Considerada por muito tempo uma onda insurfável, Jaws foi apresentada definitivamente ao mundo pelo waterman havaiano Laird Hamilton, no curso da década de 90. Ao lado de nomes como Dave Kalama e Darrick Doerner – membros da equipe Strapped Crew, pioneira no uso do jet-ski para o reboque de surfistas em ondas inimagináveis para o surf na época –, Laird extrapolou os limites das ondas grandes.
Kauli Seadi, destemido brasileiro natural de Santa Catarina, genuíno waterman e tricampeão mundial de windsurf, foi um dos surfistas que observou Jaws desde seu descobrimento. “Jaws foi descoberta por windsurfistas pioneiros de Maui, como Laird Hamilton, Dave Kalama, Rush Handle, Mark Angulo e Robby Naish… Com o tempo, muitos deles migraram para o tow-in, e hoje cada vez mais pessoas tomam coragem para desafiar as ondas no tow-in. São poucos os dias em que Jaws quebra, e menos ainda os dias em que o vento sopra com intensidade suficiente para velejar no pico.”
Hoje, passados quase 20 anos, especialmente nesta última década, Jaws testemunhou façanhas incríveis. O surf remado aparece agora com forte presença no pico. O kitesurf também. Contudo, os moradores de Maui tem fascínio pelo vento. “A ilha de Maui, em especial, tem uma vantagem sobre as outras ilhas do Hawaii: favorece em muito a prática dos esportes à vela. É o efeito Venturi, que se dá entre o vulcão e as montanhas e faz com que o vento sempre acelere nesse trajeto – o que torna Maui a ilha de ventos mais fortes e consistentes do Hawaii”, explica Kauli. “O vento entra perfeito mais para sudeste do que apenas na direção leste – direção normal dos ventos alísios da região.” Quanto à ondulação, de acordo com o brasileiro que surfou a sessão de 15 de março, a direção ideal é a de norte com influência de oeste. “A onda fica muito perigosa, mas em condições surreais. Nos dias em que tudo está encaixado, Jaws é única, porque são poucas as ondas no mundo que carregam a quantidade de água que essa onda carrega. Além disso, aqui o fundo do mar não vai subindo de forma gradativa. Existe uma enorme profundidade até onde a onda quebra, o que contribui para que o swell não perca velocidade e continue com força até atingir o reef.”
A chegada do swell
Na segunda semana de março, com o final do inverno, swells em média de 6 pés chegavam com a primavera.
Foi quando se espalhou pela ilha a notícia da chegada de um sólido swell no dia 15 de março, alimentando a expectativa dos surfistas que acompanhavam a previsão e que, ansiosos, vararam a madrugada no cliff.
“Estávamos ansiosos pela chegada do swell. Ventou bastante nos dias anteriores, e eu vinha fazendo várias sessões de windsurf. Então não tive muito tempo para pensar na densidade do swell. Juntei meu equipamento, preparei a comida, organizei o barco, e ficamos atentos. Eu não dormi muito bem aquela noite”, conta Marcilio Browne, windsurfista brasileiro que mora há muitos anos em Maui.
Amigos, Marcilio e Kauli estavam atentos para o que apontava ser um grande swell. “Nós vínhamos monitorando esse swell há uma semana, e achamos que seria uma boa oportunidade para ir a Jaws. O vento se mostrava muito forte e o swell marcava um bom intervalo.”
No pico, eles encontraram o californiano Robbie Naish – capa da ALMA SURF edição 60, comemorativa de 10 anos –, que disse ter considerado ótimo esse inverno, com ondas de médias a grandes. Em 15 de março o waterman também estava ligado nas previsões, porém tinha algo a mais com que se preocupar. “A preparação para o swell foi como das outras vezes: arrumar o jet-ski e os equipamentos, checar as pranchas… Eu estava com algumas costelas fraturadas, longe de estar 100% saudável. Mas, mesmo assim, fiquei motivado em surfar esse swell.”
Outro que esteve em Pe’ahi foi o jovem havaiano Kai Lenny, que destacou o ‘caráter surpresa’ desse swell. “Durante a temporada de inverno em Maui, tanto eu como os outros riders acompanhamos constantemente os swells do Pacífico. Sempre fico muito empolgado quando vejo uma mancha roxa gigante nos mapas meteorológicos, porque significa que Jaws estará grande. O swell de 15 de março foi inesperado porque a temporada geralmente acaba no final de fevereiro, e chegou como uma ótima surpresa.”
A sessão começou às 6h da manhã. Alguns surfistas desceram pelo cliff para surfar na remada, outros chegaram pela baía de Maliko para surfar no tow. Do alto do morro, as pessoas se aglomeravam para não perder o espetáculo da natureza.
Surf na remada, windsurf e limites
Primeiros dentro d’água, os brasileiros Yuri Soledade, Danilo Couto, Márcio Freire, Carlos Burle, Tiago Candelot e Hilton Issa, além dos havaianos Shane Dorian e Ian Walsh, entre outros, protagonizaram três horas de muito surf na remada até a força do vento encerrar a sessão.
Robby Naish observou toda a ação de dentro d’água enquanto se posicionava para o wind. “Quem mais me chamou a atenção foi Shane Dorian. Ele remou numas bombas inacreditáveis mesmo com vento e mar muito agitado. Ficar sentado no line-up e não poder enxergar direito o que está vindo exige muita coragem. Quando está com um SUP ou mesmo no windsurf, você pode enxergar muito melhor as ondas, e se posicionar muito mais facilmente.”
Kai Lenny, que surfou com variados modelos de pranchas, analisa que depois dessa sessão em Jaws o surf atingiu outras proporções. “Temos agora como parâmetro Jaws em 15 de março de 2011. Fiquei admirado de ver Robby Naish e Jason Polakow voando no windsurf. São caras que não mostram medo quando estão naquele lugar (Jaws). Shane Dorian, Yuri Soledade e Ian Walsh também são caras insanos. O que eles droparam no braço foi incrível. Os limites do big surf se expandiram. Os atletas estão indo cada vez mais fundo, fazendo turns cada vez mais críticos em sessões mais e mais monstruosas. Quanto a mim, tive a oportunidade de numa única sessão surfar de stand-up paddle, tow-in, foil board e windsurf. E espero poder fazer ainda mais.”
Outro brasileiro estava na água, Ricardo Campello, dividindo as ondas com o australiano Jason Polakow e o norte-americano Levi Siver, que viram Kauli ser resgatado depois de uma vaca sinistra logo no início da queda no mar. “Nesse dia, fiquei muito empolgado de ver a brasileirada pegando Jaws na remada. E quis desafiar as ondas nas partes mais críticas. Acabou que logo no primeiro drop não prestei muita atenção no west bowl e a onda ficou tubular muito rápido. Resultado: tive que pular antes de tomar uma lipada violenta na vela e até me dei bem porque consegui furar a onda e não ser sugado depois de dar um chacoalhada. Mantive a calma e relaxei para aproveitar a ‘hidromassagem’ da onda seguinte. Depois da terceira onda, já bem perto das pedras, um amigo apareceu com o jet e me resgatou. Voltei para o barco e fiquei vendo o Brawzinho, Ricardo, Kai, Robby e Jason pegarem boas ondas. Fui buscar um novo equipamento, e à tarde fiz outra queda, com uma hora de boas ondas.”
Robby Naish, lenda do esporte, foi outro que vacou feio e comentou a voracidade de Jaws. “Caí muito feio em uma onda, foi uma das piores vacas que já levei em Jaws. Mas, por muita sorte, meu equipamento não quebrou e consegui voltar para o pico. Isso foi ótimo para mostrar como as velas Naish são fortes (risos).”
Dias melhores em Jaws
Em contrapartida, Rob Naish nos disse que a sessão esteve longe de ser uma de suas favoritas no pico. Reclamou do crowd. “O dia 15 de março nem chegou perto da minha melhor sessão em Jaws. Não estava tão grande e havia muito crowd. No entanto, foi um dia de boas ondas, e eu diria que muitos surfistas que não estão direto em Jaws vão classificar essa queda como uma das melhores de sua vida. Mas a verdade e que tinha muita gente na água.”
As longas temporadas na ilha estão valendo a pena para a dupla brasileira Marcilio Browne (também conhecido por Brawzinho), que é natural de Fortaleza, Ceará; vai para Maui desde 2002 e mora na ilha desde o ano passado; e Ricardo Campello, carioca radicado na Venezuela que bate cartão em Jaws todos os anos. Eles se encaixam no comentário de Naish.
“Essa sessão foi uma das minhas melhores, por vários motivos. O dia foi alucinante, desde ver os brasileiros botando pra baixo na remada até a sessão de wind. O vento estava muito consistente e com boa direção, o que nos facilitou na hora de entrar nas ondas. O swell estava muito bom, com ondas muito divertidas de se surfar. Além de tudo, foi muito legal por estar entre amigos dentro d’água”, comentou Marcilio, que completou sua terceira velejada em Jaws neste ano.
E não foram apenas os brasileiros; Kai Lenny disse o mesmo: “A sessão do dia 15 de março foi minha melhor em Pe’ahi. Perdi um sólido swell em janeiro porque estava numa boat trip, e achei que não fosse pegar boas ondas até a próxima temporada. Graças a Deus, Jaws me deu uma segunda chance para pegar algumas bombas”.
Já Kauli Seadi surfou Jaws pela primeira vez em 2005, e coleciona algumas temporadas no Hawaii. Experiente waterman multicampeão, também preocupado em desenvolver projetos sociais nas áreas de esporte, cultura e preservação ambiental – através do Instituto Kauli Seadi, com sede em na Barra de Ibiraquera, em Imbituba –, disse que a sessão foi espetacular pela diversidade de surfistas que estavam n’agua. “No surf de remada todos me impressionaram. Porque quem se dispõe a remar naquela onda é realmente um guerreiro. Sinto-me orgulhoso de ver os brazucas nos representando e botando pra cima. Outro foi Shane Dorian, que colocou pra dentro duma bomba impressionante! Kai Lenny, nosso amigo windsurfista e agora campeão mundial de SUP, mandou ver com muita atitude. Ele realmente é um grande surfista, está no DNA. No kite, Thiago Leque e Fernando Canuso desafiaram o vento e os bumps das ondas. No windsurf, o australiano Jason Polakow detonou com uma performance espetacular. Pegou as melhores ondas e manobrou de verdade com o wind, extrapolou.”
Ao final da sessão em Jaws, com direito à sessão histórica de surf na remada e um show de windsurf e aéreos à vela, o que pairou no ar foi: ‘Quando Jaws voltará a sorrir novamente?’. E principalmente: ‘Qual será o próximo limite?’.
BOX
O céu é o limite
No calor das memórias da sessão em Jaws, perguntamos aos personagens desta reportagem quais são os limites para o surf de ondas grandes. Confira as respostas:
“É assustador como os atletas estão puxando os limites. É impressionante ver os caras pegando Jaws na remada nessas condições. Ver caras surfando à noite [em janeiro deste ano, o australiano Mark Visser encarou uma sessão de surf noturno com 25 pés de onda no pico – mostrados no portal almasurf.com], por exemplo. Quanto ao windsurf em Jaws, surfar paredes monstruosas, e decolar em grandes aéreos, está com certeza levando o esporte a um novo patamar. É uma questão de tempo para que os atletas completem essas decoladas.” – Marcilio Browne
“Acho que o próximo passo do big surf em Jaws será surfar ondas grandes como se elas fossem pequenas. Em outras palavras, não existem motivos para que num futuro próximo não encaremos as ondas grandes como se fossem ‘merrecas manobráveis’. O surf está em constante evolução”. – Kai Lenny
“Os limites para o big surf mundial, seja em qual modalidade for, ainda estão muito longe de serem alcançados. Existe muito mais para o mundo do surf. O próximo passo será surfar sentado num vaso sanitário acoplado à prancha, lendo as notícias do jornal.” – Rob Naish
“Você está me pedindo para descrever os melhores windsurfistas do mundo? Tudo o que posso dizer é que eles são pessoas únicas. É uma honra e um prazer fotografá-los, pois sem eles minhas fotos não seriam tão especiais. O big windsurf e Jaws formam uma equação perfeita. Para esses atletas parece que não existem limites.” – Batel Shimi
*Fernanda Garcia é paulista e mora no Hawaii. Surfista e kitesurfista, é a atual 3ª colocada no ranking brasileiro profissional de kitesurf.
OLHO
“Você está me pedindo para descrever os melhores windsurfistas do mundo? Tudo o que posso dizer é que eles são pessoas únicas. É uma honra e um prazer fotografá-los, pois sem eles minhas fotos não seriam tão especiais.” – Batel Shimi, fotógrafa (e mergulhadora) natural de Israel, que se mudou para Maui em 2000 para ficar mais perto do oceano, seu maior interesse.
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